Wednesday, May 30, 2007

a arte de fritar


A fruta que ficou por colher aprofundou o conhecimento do sol, mas ignorou a doçura da boca.

O amor procura palavras novas para rematar à velha baliza, mas nem com os melhores ténis acerta.

Porque o que é diariamente novo e velho será no dia seguinte ainda mais novo e velho.

As compotas amargam ante o que é dito docemente.

A historia é gnóstica porque deus foi falsificado.

Seja sábio na arte de fritar (bem ou mal passada) a crueldade.

Minutos que se acorcundaram.

A minha mente está a passar por uma fase digital – disse ela.

A contenda da aprendizagem tem anões como espectadores.

As artimanhas da eternidade cobram juros de mora.

Os enrugamentos atrás do vidro têm mais reflexos.

Damos memórias aos porcos para que os deuses nos dêem pérolas.

O passado pasta lá fora, e tu colocaste estores para não o ver.

Com sombrias ressalvas amealhas lembranças. Mass depois mudam de côr.

Progressos da gatunagem do tempo.

louças àcidas


Sinto-me um crocodilo num duche de hotel – tenho a barriga vazia.

O orgulho do texugo não lhe diminui o fedor.

Amor é meu sino e sina, o meu seno e coseno, o ângulo didático e o tão caro ódio do virtude - ou ódio de pecado, aterrando em amar culpável.

Cupido vegeta destemperado nas louças àcidas. Porque a carne antes de ser trucidada pelo verbo saboreia o seu subito momento de porcelana.

Consulto o I ching para me apoderar do acaso, como de um petisco – este é o irroubável tesouro!

O mundo é fetichista – existe para contemplar vezes sem conta o prazer dos que vão morrer.

Surfa como um cigano.

O verso pode ser estéril, mas o orgulho nele posto enche as medidas da alma. Music for a while!

Porque é tão fremente o mundo? Para variar a vibração!

Os relances de olhos fazem razias na razão.

Sustento a invenção favorecendo as ervas daninhas.

Cada palavra diz quão fundo a desconhecemos. Ou o quão superficialmente se desconhece?

mordomias


Todo o predador aguarda na sua lava.

Permanece o memorial? Com morcegos?

Quando revês as aspas inclinadas que te entranham o maroto sentido, é porque te queres desviar do que os outros costumam dizer… ou entender.

A terra pode ser mais terra, sem ter que pagar dívidas ao espirito.

O espírito (ao lado?) até é fabuloso, mas o melhor são as mordomias que nos faz.

Assim se arvoram em arvoredos de conceitos os ardores que se alhearam de meus peitos e que acampam, como tribos, nas partes mais altas da cabeça.

As ideias de rapina atacam e depois regressam ao ilimitado.

O corpo é o cooperante do pulcro.

A conquista cobarde afia facas.

A beleza mostrará como os espelhos também se desgastam mesmo depois de esses mesmos espelhos já terem desgastado várias belezas.

Suspeito como quem borda insignias.

Desejo para remanescer.

Eu penso pensamentos bons e demoradamente engraxados, mas tenho na boca o gosto das artimanhas analfabetas.
Tempero os pensamentos alheios, marinando-os em palavras exóticas e despropositadas

ciumes babélicos



Papageias. E nas vistosas mentiras com que queres povoar o deserto do absoluto acumulam-se versões tão diferentes do que queres dizer de um modo único e “defenitivamente inacabado”.

Pendura-te nos cabides do obscuro.

Passaste a fase em que te dissimulavas em pudores, para outra em que o pudor ora é dissimulado em paróidia de pudor, ora em em brandos atrevimentos.

A palavra corista tem algo de sentimental e de pitoresco ao qual já não tenho vontade de piscar o olho nem de consultar o preço.

Quando o amarelo sair, as Parcas pescarão percas nas brasas.

Penduras a harpa, mas falta-te quer Babel, quer Sião.

Nos coros arruinados e frios do que foi convicção, reverdecem os prados e aguardam-se as andorinhas.

O crepúsculo é o adivinho do dia que vem.

As ténebras são mais sedosas que a claridade.

Colocas selos em algo apocaliptico.

Até o amor ignóbil é mais precioso do que a sua ausência.

Incandesces caninamente nas cadências da cama.

elasticidades



A devoção amplia a incapacidade de admitirmos que nos amamos demasiado, e então cultivamos o amor em canteiros alheios, humanos ou divinos, como se quizessemos ampliar este ego mal-mascarado nas representações que fazemos das criaturas a que nos devotamos.

A consciência é um longo nojo quando nos acobardamos, e uma festa para a qual estamos sempre convidados.

A sombria insanidade espreita sempre que adiamos a exploração das florestas báquicas da consciência.

A elasticidade do sino era negra.

Advertências do mundo não cozem espargos.

Fujo dos meios que contêm os fins e os principios.

A mão do escriba é infame, porque as vozes transcritas desleixam os timbres que intimamente sussurram.

Quando o samba some, a pavana pavoneia-se.

A argila com que o demiurgo formou o homem é uma paródia literária das vozes internas que cozinharam o deus.

Põe a sabedoria em vinha-de-alhos.

O mundo receita-nos tarefas, mas estas não passam de magias de limitada eficácia.

Os amores, mesmo os mais verdadeiros, não se livram dos hálitos teatrais – e a peça que recitamos é identica a arcaicos clichês.

A arte leva em si planos de sublimes impossibilidades. Embora a execução as tenha tornado pertinentes e possiveis.

su-posições




E naquela sua suposição suspeitosa eram os pensamentos que se faziam chulos dos comportamentos (embora seus olhos semeassem generosidade).

À flor justa adicionam o cheiro rancoroso das ervas daninhas.

A omóplata que se mostra acalenta o odor ao qual difícilmente chegamos.

Nessa terra demasiado comum onde a tua seiva cresce…

A arte do te responsabilizar não será defeita, mas tornará mais presente o indefectível.

As mãos do criminoso buscam sopas de amor nos refeitórios das freiras.

O ornamento é suspeito de engendrar a beleza.

O corvo que voa no ar não adoça os cumes.

A mão assassina do deus aprova os lamentos dos amantes.

Viceja o amor, mas não escapa ao langor.

As novas matérias-primas instigam-nos a ser maduras, porque é impossível sermos puras.

Segura o passado sem assegurares o futuro – corta e cola a memória dos dias novos sobre o palimpsesto dos dias velhos.

Deixa-te assaltar por lágrimas, mas nunca por uma tristeza de marca.

O vencedor carrega o fardo das derrotas alheias.

Contudo os elogios são auto-denegrição adiada.

go-go-truth



Expressas a verdade depois de esta ter feito o strip-tease. A sua nudez banalizou-a, mas o teu mau-fígado elogía-a.

Temes os elogios como se fossem desterros.

Somos externos, como um software acabado de instalar, mas queremos ser coroados com uma consciência brilhante num carro triunfal.

A tua autonomia, o que te destingue morfológicamente da ameaçadora expropriação, é a grilheta que arrastas como uma marca registada, e à qual os outros, e tu mesmo, te acabas por reduzir.

A rádio incutiu-nos a distância como uma próximidade. Agora, o que nos vinha distante, impreciso e ruídoso, transformou-se em algo acutilante, mais visível e próximo que o real de antigamente.

Outros acentos mostrariam que o sentido é desfazado, uma vez que esses, e não estes, acertariam em cheio.

Deitam-se na beleza e julgam-na suspeita, como se uma mente coesa a criara, quando muitas vezes o harmonioso desvelado revela uma estultice avara, mas rara.


E assim foi... deixamo-nos agrafar no mapa dos dias em que a beleza sobrevivia bastarda. —Agora queremos florir demasiado. Deitas adubo no que é dúbio. Mas sabes que a sua testa, mesmo que em breve feneça com a força dos anos fará divinas as tardes em que a possas contemplar.

Antes dos gregos monumentos serem o mortal estéticismo em que a beleza é vera porque pura e nua, os gregos pastavam numa efevrescência conspurcante, com dourados, inocentes e flácidos ornamentos. Mas a beleza depurava o olhar dos antigos – com côres. Eles seguravam-se num riso e esvaíam-se nele. O riso era outra vez a beleza.

A morte também devora o que é recorrente, mas há algo verde e veraneante que supera, ainda que falsamente, a mumificação para a qual, muito lentamente, o universo se dirige. Só é forte o que não se conserva.

Penélope, deixas-te farejar por uma fidelidade que te mata com aracnídeas patas. A espera não emenda ausências, e o retorno de Ulisses será a fulminante decepção que encolhe o mundo com mentiras fabulosas. E o que desejas em Ulisses é essa mentira na qual nos gostariamos de nos banhar. Mas não para sempre.

Tens a manilha e o triunfal às que pode fazer o cheque-mate às duvidas que te melancolizam. Tens o direito a decapar a verdade, porque o decapamento é já transe.

Pois as mandibulas (a voz das almas!) fazem o que fazem – buscam outras mandíbulas suaves ou fortes, para devorar falsamente, parodiando a morte – sorver o que se ama como uma impossibilidade.

Faz cheque-mate à dívida que herdaste dos deuses.

miniaturas pérfidas



Devaneio hermético de irrequietas cépticas.

As dificuldades amorosas parecem por vezes infecções, mas devo continuar nestes desageitados arranques de desejo. A sua graça torna-me inabil em práticamente tudo. Há nessa graça algo impiedoso. Devo desossar o desejo ou deixar-me arrastar por um patetismo que deixa rasto de mácula sem mácula?

Sento-me na desvantagem, mas hei-de conseguir o que erradamente almejo.

A pintura é falsa no que imita mas mordente nos efeitos.

A intensidade dos vivos parece roubada ao fedor da morte.

Porque a beleza empobrece indiretamente, mostrando as deusas que estavam na sombra, agora, em semblantes carnais.

A natureza é falência quando não nos tornamos hipersensíveis.

Deixa que o rubor do sangue asse o teu perfil através da crispação das vívidas veias. Porque a morfologia do que é sexo não se deixa falir por mais que se lhe atribua metafóricamente a imagem de miniaturas tanáticas.

os espinhos e a agulha


Cansaram-me as guerrilhas de libertação como se Minotauro nos empurrasse para uma morte falsa despojada de labirintos e para uma casa com lareira e putas.

De qualquer modo nenhum grito alivia o aleivoso lodo.

Sou acossada por uma cosmética irónica, porque nada há fora da cosmética – nenhuma desilusão ou socegado ascetismo nos safa da grande ilusão.

Os espinhos aguçam os prazeres do mais puro veneno da fé.

A honra apenas garante o despeito, porque a honra é a cilada de uma promessa que não procuramos? E as encarniçadas vergonhas procurar-nos-ão como caçadoras vindas de penumbras mitológicas para fazerem respeitar uma ordem de deuses mais antigos que os deuses conhecidos.

A virtude só se aguenta quando afugenta juramentos.

De novo as rudes trompetas bramirão para apelar ao desvelamento dos prados secretos.

Aperfeiçoamo-nos ao fazer vibrar o caduceu interior.

Procurava a desonra como um Cínico ou um discipulo de Gosala. Assim o amor atraí a desonra como um equívoco voluntário e filosófico. E o amante negligenciará higienes, e fará da condição agoirenta uma virtude impiedosa.


A lingua lenta é habilidosa nos desvarios. Sacode a autoridade no acto de entrega – desarma-se para poder procriar evidências.

Não escarrachapes inutilmente as tuas verdades quando é demasiado gritante o fervor das convicções alheias.

Quero evadir-me amorosamente, mas o amor amarra-nos sempre. Queremos ser sózinhos sem estar sózinhos ou estar sózinhos sem ser sózinhos?

as rosas robustas


Os dias cercam-me como se houvesse um prazo inadiável que não vem – a espera é como uma contenda, uma batalha de sentimentos que não quer ainda claudicar.

Não peças às rochas que robusteçam quando sabes que elas serão lentamente esfareladas pelos espasmos patéticos das ondas.

A temível meditação amorosa não liberta o amador mas robustece a rosa.

Quando os alaúdes são tangidos por mãos ébrias há um múrmurio sumério, uma melancolia pré-histórica que torna as mais velozes melodias algo tristes.

Gostavas de encerrar a tua memória numa caixa que qualquer um pudesse abrir como presente – mas as joias pedem para ser furtadas. E tu sabes que nem na tua memória confias.

Despojas-te da beleza e entregas-te numa serenidade estragada. Ou sagrada?

A palavra milagre designa uma magia ainda mais suspeita mas da qual não devemos suspeitar.

A escrita tem portas traseiras que faltam à voz.

Falas de uma tenebra brilhante porque lhe deste lustre.

a formosura alheia humilha-nos


Recato-me. Lá fora os garanhões agitam-se.

Há eclipses que curvam os nossos sentimentos.

Faltam-me estratégias galantes porque os designios não são claros. Não sei ainda pôr qualquer ordem nos pensamentos. É na desordem dos pensamentos que me (des)confio.

Mas quando te mostras como um vidro, na transparência das púpilas, há em mim um sujeito contrafeito que se desfaz.

Galopo na antiguidade que desagua em cada fracção desta idade.

Rebaixa-te. Desfigura-te. Arranca-te.

As torres confundiam o nosso orgulho com as mais antigas parábolas.

Não serei escrava do eterno bronze. Prefiro-lhe até as plausíveis raivas que nos afloram tão mortais.

Ignorei o oceano faminto e deixei-me secar como esterco no deserto.

Deixamo-nos deteriorar agrilhados como Prometeu depois de tentar levar o fogo amoroso a todos. Os incêndios convidam a punições exemplares. Não se pode amar genéricamente.

Nem a pedra, nem a terra, nem o mar de aleivosas geografias, me podem fazer esquecer o que a memória ainda não retém completamente...

Porém o antilope apascenta a sua graça no esteio da mais òbvia mortalidade.

O seu poder humillhava-a.

A formosura distorce as preces que a invocam.

Fragilizamo-nos porque queremos florescer.

O mel torna amargo aquele que o não prova.


A formosura alheia humilha-nos depressa.