Tuesday, July 31, 2007

ai o conceito é tão metonímico


continuando a saga do nosso L. W., diz ele:


Os conceitos levam-nos a fazer investigações. São a expressão do nosso interesse e guiam o nosso interesse.


o que é o mesmo que dizer que os conceitos não sabem estar quietos, e que essa inquietação é metonímica: eles não querem ficar como estão, querem desenrolar-se e meter-se (interesseiramente) com as coisas e sobretudo com outros conceitos igualmente dados a mexericos e muito (levados da breca!) metediços


diz também


não consideres uma afirmação hesitante como uma afirmação da hesitação


o escrupulo moral e a vontade de chegar a algum lado estão sempre a puxar as orelhas ao menino luísinho - que parece na verdade muito hesitante nas suas caninas investigações filosóficas - no seu faro não se adivinha onde é que está o sujeito ou o criminoso


mas também podemos perceber no estilo de L. W. um pudor estratégico e um efeito - e lá voltamos ao romanesco: ele está através de hesitações a tentar ser veemente? estará a falar das suas hesitações,? das dos outros? estará a afirmar? a negar? a fingir?


e o que é hesitar? é não se atirar à maluca? é uma sábia prudência? é uma desapetência?

show job

o trabalho (tele)novelesco consiste em dissimular memórias e ir adiando o fim - é certo que uma trama secretamente epistolar se parece intrometer para cativar amorosamente o leitor

suma patológica


deu-nos vontade de ir ler o ludwig wittgenstein segundo a tradução do M. S. Lourenço que adorava a vulgata e julgamos que a tradução para português do Ferreira de Almeida - as traduções das bíblias não estruturaram as falas das linguas latinas directamente, mas foram-se inclinando lentamente sobre a lingua palrada até esta ficar depurada pelo fantasma da prosa de S. Jerónimo - adaptações mútuas do palrado ao traduzinte


lê-se no prefácio do tradutor uma sugestão bela e quase epidémica, mas não é epidémica porque é demoradamente viral, como o sugeria o velho Bourroughs no livro com o Daniel Odier, The Job (a linguagem é essencialmente um virus), mas, diziamos, fala Lourenço do que é conclusivo em Wittgenstein quanto às hipóteses de tradução:


Como os problemas filosóficos são patologias que ocorrem no interior de jogos da linguagem dados, a tradução filosófica executa a transferência destas patologias de uma lingua para a outra. Eo ipso fica também demonstrado que um problema filosófico não é um problema de uma lingua dada, mas antes um problema comum a um certo número de linguas. Fica assim constituída na lingua para a qual se traduz a possibilidade de encontrar as mesmas possibilidades que se descobriram na lingua original.


é um belo acontecimento, esta infiltração patológica das traduções filosóficas nas nossas vidas, aos bocadinhos, aos poucos e poucos, com patologias a chocarem com outras patologias, e ao contrário da ideia de autênticidade, a gerarem cada vez mais demências mascarantes


não partilhamos, pesem as fidelidades tradutórias, o optimismo de que possamos comungar (e o termo religioso é justo aqui) com o mesmo ânimo e sabor os mesmos problemas - as mudanças virais ocorrem na adaptação do vocabulário a outras linguas, e essas pequenas mudanças são decisivas de um modo precisamente ao oposto ao papagueado pela hermeneutica heideggeriana - desidealize-se definitivamente a fidelidade a um sentido original, caso esse sentido exista em falsa integridade


desconfiamos, nestes jogos a muitos e muitas de muitas linguagens, do que é alguém quereria dizer com alguma coisa - sabemos que pretendia tentar dizer alguma coisa, entre o ambiguo e o preciso, e é nesta inquietação intermitente que murmuramos as nossas filosofias a fazerem-se pessoais, jogadas, com bluffs e sem bluffs


para quem gosta de se emaranhar nestes assuntos pode linkar para a amostrazinha do diccionário dos termos filosóficos intraduzeis :http://robert.bvdep.com/public/vep/accueil.html com a consciencia enxuta de que muita coisa se traduz viralmente, mas não virilmente (pois também terá o leitor de traduzir à sua maneira o seu francês na sua carne)


pensamos assim como quem metaforiza e quer ir a algum sítio que a vida se vai enovelando em sumas patologias - queria o filósofo austriaco cuidar da linguagem, e «desonevelá-la», mas a filosofia telenovela-se, pelo menos nestes medias de agora, telemáticos ou telepáticos, e é neste sentido que o fulgor da filosofia acaba quase sempre por regressar ao fulgor novelesco, mesmo quando o romanesco já foi alvo de tantos convincentes epitáfios

Monday, July 30, 2007

a vida da Rosa Davida e par aí fora



  1. Criada entre criadas, davidei-me nas iguarias que se me foram oferecendo. Fiz-me moça muito almoçando e robusteci as minhas formas sem chegar a gordura para além de fermosura. Perdi muitas oportunidades de especialidades que pudera cultivar. Bailei muito i. E mais bailei muito i enquanto os outros e as outras arengavam seus labores nas praças.

  2. Iam-se os dias para diários, limpavam-se e desossavam-se na escrita, ficando límpidos, nítidos e gregos à sua maneira, se bem que esta maneira grega fosse praticavel e pouco auroral.

  3. Aprendi a conviver com os meus membros e registei os esbracejamentes como calamidades passadas. Admirava a gestualidade musculada da Calamity Jane na interpretação da Doris Day, mas não punha em causa o meu talento conformado pelo ponto-cruz, embora me entediasse de morte nas tardes em que as tias solteiras me obrigavam a tapetes-d'arraiolar.

  4. Era boazinha, um bocadito boazuda, forte de espirito, recatada quanto baste, dada a inocentes gargalhadas insolentes e comentários estapafurdios aos pequenos-almoços, e bocejos pouco depois dos jantares. Não dei aso a preocupações, mas dei asas a secretas ocupações.

  5. Falava e até gritava com os meus botões. Queria-me artista desde logo, antes inda das insolências das adolescências. Pintava (ou garatujava) sobre os cromos dos asnos dos meus irmãos que se beijavam uns aos outros em longos linguados. Eu preferia patas de peluches. Ai deus i u é.

a ameaça da madrasta


Dão-nos a honra de manequim

para dar corda à nossa ausência.

Dão-nos um prémio de ser assim

sem pecado e sem inocência.


escreve a natália correia


Como se quem tivesse partido não fossem os homens, mas algo de essencial com eles, esse objecto primitivo feito em seguida objecto patriótico. Como se a percepção inicial do pai real, o pai da estrutura, fosse a de um objecto perdido com o qual não temos relação, desde sempre e definitivamente Outro. Como se essa percepção da perda desse 'intimo-estranho', das Unheimlich que caracteriza para os humanos o pai real, fosse duplicado pela ausência física e simbólica do pai. E não restasse senão um pai imaginário e todo poderoso.


escreve a maria belo


mas ficaram-nos os padrastos e os padrinhos e pior que a ausência dos pais é a ameaça pelas mães da hipóteses das madrastas - esta figura mitológica não é só daqui, do imaginário lusitano, mas é a consequência de uma ausência que regressa em força com o mal. As madrastas dos mitos já crescem em casa com a etiqueta da humilhação, as madrastas portuguesas estão por aí à espera (ou pior, ao lado, para sempre), e o terror eminente do masdrastado constroi, como suplemento, essa ambivalência do pai que retorna como um Ulisses trazendo consigo a Calipso, para ficar escondido mais perto, protegido dos filhos, na fama-infâmia de um lar de terror e do ressentimento materno a construir-nos já ressentidas


essas madrastas misturam-se com a mãe, e a mãe é amadrastada, o que nos despeja renovadamente para um pai que também não nos quer assim assumidamente, se calhar quer às escondidas, caso regresse, ou caso regressado nos tenha trocado, a nós filhas-um-bocado-mãe pela «outra», o que é um pesadelo mais complexo que a orfandade real


damos assim corda às nossas ausências, no natalício dizer, sem pecados e sem inocências, com muitas desculpas para termos desculpas, extremando-nos a colocar molas na roupa com as cores da roupa, maníacas da lexívia perfumada e do ajax limpa-vidros, da camisa bem engomada e de outras tolices domésticas


a americanização estará a mudar estes hábitos centenários? outras culpabilidades sem culpabilidades nos minarão como sempre, substituindo a ausência pelo trabalho - mulheres machando-se falsamente emancipadas, numa solidão sem pais nem filhos e muitas plásticas

a pátria deles


não lemos muito a Natália Correia nem nos lembramos de uma frase sequer de coisas de TV onde esta falava de mátria, mas sabemos que o estado é uma coisa de homens, fica ao lado das mulheres, por mais que este se pareça um prolongamento da familia, e mátria não convém porque não se precisa de estado travestido de «estada» - podemos livrar-nos aos poucos da pátria como duma tristeza tonta, porque nós só estamos connosco, com os que cá moram, os que cá vêm - o resto é a simpatia universal, algo abstrata, cidadania paisagistica do mundo, com o ar de quem se preocupa com outros mais próximos ou distantes, porque não nos podemos deixar de sentir da mesma bichesa e da bichesa maior de todos os bichos


os estados eram o pretexto para as guerras deles, para se matarem uns aos outros e se roubarem e pelejarem como cavaleirinhos de Tavolas Redondas e irem-se de casa para ultramares e foder com as ninfas dos cantos nonos


os nossos varões têm um medo que se pelam da domesticidade e de aturarem as neuras das gajas com quem escolheram viver até que uma cena qualquer ou a morte os separe


o país que parece chamar-se Portugal fez-se contra os amores de Tereza, só para lhe dar um ínicio, com o filho, adolescentíssimo, a batalhar até não querer mais só porque a mãe foi amada por alguém quiçá melhor que seu pai nas pelejas da alcova


e a Castro assassinaval só para não nos castelhanarmos na soberania como o pretende el Saramago


a cena repete-se com Leonor de Teles, aleivosíssima segundo as crónicas do Fernão, melhor a dar prazer do que a fazer filhos, quando os nossos reis foram pródigos em aleivosias e bastardices que garantiram novas dinastias e o povo não se alvoraçou


o inferno sexual começou com a Filipa da familia dos Lencastres que já era uma puritana bem antes dos protestantismos e das hipocrisias com que os tipos países do norte da europa disfarçam a falta de apetite pela vida nítida - estaremos a ser racistas? Fez filhos cultos? Educou-os ela? Ou tiveram quem os instruissemo como deve ser. Perguntas sem resposta.


Maria Pia, muito mais tarde, é o protótipo dos inferninhos eclesiásticos, salazarismo antecipado com bufos na esquinas - e bufar, literalmente, é o gesto portuga mais comum, lamento de quem denuncia sem dar o couro ao manifesto


o que é bufar, é expelir ares pelas «bocas» ou pelos cús, é queixume, estafadismo, cansaço, resmunguismo, não estar para aturar mais


damos um belo exemplo desta verve peideira de aljubarrotas encontrado na net como defenição de bufar: depois de comerem aquela jeijoada, fizeram um campeonato pra ver quem bufava mais fedido


teriamos preferido uma terra de bufões, cujo sentido não deve andar longe, mas que é mais despejado e assumido

almada, os outros, as outras, com, contra e etc.



chega a ser pirosíssimo no que pinta o Almada Negreiros, mas também dá ares de ascetismo, de não querer ter haver com pieguices nas numeralogias e coisas afins - citar-lhes-iamos os textos coleccionados pelo Herberto na sua antologia, se bem que sejemos um tanto ou quanto discordantes quanto à sua política da poética - supostamente clássica. A autenticidade heideggariana equivale-se-lhe a ingenuidade, o que ao fim e ao cabo vem a dar em salazarismo doce, o mais ameno possível. E até o romance Nome de Guerra sobre os incovenientes das paixões assolapadas pelas varoas fatais tem esse funesto final com a preferencia das estrelas à vida em versão desculpa. Também podemos conversar com estrelas, nascer para vidas sempre novas e não desistirmos das complexidades e dos dramas que o amor nos oferece terrivelmente e que nos espertizam e saloiam se for preciso. Almada começou nietzschiano, embora com cenas de òdio, e acabou profeta dos bimilénios a queixar-se que não no entendiam. Mas o pater familia com a mulher a lavar pratos e a mudar o cócózinho dos putos é a sua imagem emblemática. A casa portugueza de Lino, a familia portuguesa de Almada. Ai portugueses e portuguesas muito salazararam os nossos progenitores sem perceberem como se livrarem disso e continuarwem a culpar o homem, tímido, recatado, que eles também o soiam ser. Foi o tempo do fado e da «dona Amalia», fado que nunca mais poderá ter uma migalha de ingenuidade ou autenticidade do que era o tal fadismo. Mas pode ter outras coisas mais canalhas, mais inteligentes, mais espertas e muito menos saloias.


No entanto o Almada é pai deste estilo oral de que não nos safamos, e a sua Engomadeira ou o K4 são as mães da possibilidade de nos prosarmos poéticamente à quase um século, e generosamente - penso no Nuno Bragança, na Maria Velho da Costa, no Alvaro Lapa


há uma oralidade pitoresca em outros, e também os regionalismos do Aquilino Ribeiro e as falas meigas do eça, mas Almada fez aqui o que Guimarães Rosa fará mais tarde para a outra literatura portuguesa - pôs-nos a falar com as nossas ralações e colocou o narrador vulnerável e desajeitado à cata de si mesmo


o Nuno Bragança, que é maravilhoso no ínicio da Noite e o Riso sofre com o estilo copófonico do tio Hemingway, e o ar duro de quem tem estilo, intimidade e saber, e de que a vida tem que nos dar porrada e nos levantarmo-nos do tapete para a porrada que vem - o homem que sabe e não sabe mas finge que sabe, que leva nas trombas, mas que não perde o ar, e, sobretudo o estilo, de quem sabe


o Nuno Bragança é um desconhecido do Álvaro de Campos, é o homem que se conhece levando porrada - isto está mais repetitivo quase que a Stein


e depois há a Maria Velho da Costa, tão suserana das suas manias algo pseudo-inglesas, mariquices de menina fina a fingir-se compincha da criada e de quem está com o povo e algumas vezes com Moscovo e de que sabe o seu shakespeare


o Álvaro Lapa, coitado, não chegou a carreira literária, publicando ao lado das pinturas, ao lado do alcolismo, mas sempre com esse ar de quem mija prosa e de que mijar prosa dá algumas alegrias que nos livram, beatnickamente, dos salazarismos literários que é o estarnos sempre a limar as unhas da poética com censorismo horaciano - até o Herberto e o descarado do Cezarinny se afadigaram no postumismo, a queimar, a afinar, a ter medo que venham a dizer mal muito depois


há alguma razão no M.S. Lourenço quando fala dos mestres que ficam a afinar anos antes de publicar e cita o Wittegenstein, homem de um só livro em busca de um pelo menos segundo livro, mallarmeano e filosofal, mas que deixa, sem querer, como o Aristóteles, uma obra vasta, nesse drama eterno que são os impublicados, de Pessoa a Kafka, e que são bons para entreter controvérsias filológicas e outras mariquices - o mesmo diz o Herberto a partir do Edmundo Bettencourt, como o glorioso escrupulismo mas eu diria com a neurose de quem se olha demasiada na obra que é um bico-de-obra da variante que teme que lhe cheirem no cú alguma mediocridade ocasional que todos, mesmo os sublimes, a têm


falamos destes nomes, nomes amigos, aqueles que, citando o Lapa entrevistado pelo Silva Melo (que não gosta, com alguma razão, do Almada), com quem vamos e (dizemos nós com se calhar outras e outros) contra quem vamos ao mesmo tempo - não podia deixar de ser de outro modo. Com contra e contra com. E com despacho. Etc.


Monday, July 16, 2007

sobre a Rosa Davida


Intriga-se o mulheriu sobre quem é a Rosa Davida - é uma amiga que é amiguinha e amigona, companheira de Rute literária.


Encontramos entre os nossos papeis os seus propósitos escritos numa altura (há meia dúzia de anos) em que prometiamos umas às outras avançar para publicações on-line:




Há mulheres que são mulheres a metade, eu sou uma mulher a dobrar.

Uma Rosa é uma Rosa é uma Rosa & a Vida é a Vida é a Vida

Não há Rosa sem senão.

Davida é Rosa em roupão.



Ensaios em saias

1.Davida complexa
2.Davida sentimental
3.Davida sexual
4. Davida depois Davida
5. Davida mais ao menos
6. Davida dividida

Friday, July 13, 2007

safando-nos de safo


Safo, a nossa velha amiga, não terá sido a primeira a mostrar o amor como corpo fremente pela escrita, mas é aquela que nos chega até hoje como uma voz que grande parte da escrita amorosa persegue e ecoa - é impossível desviarmo-nos dela, mesmo ignorando-a. Por isso também a traduzimos em velocidade, em colaboração com os demónios internéticos. Muito menos traída que o nosso Guilherme, também fomos mais descuidadas e impróprias na desgarrada apropriação. Mas não queriamos morrer sem uma atenção, mesmo descuidada, à poetisa de Lesbos, pastora de extremismos amorosas. E assim de safo nos safamos.


Afrodite, de Kronos emergente espuma, tu que assentas no brilhante trono e que sabes habilmente dispôr dos enganos de amor, imploro-te, não asfixies o meu peito sob o peso de tristezas e dores. Mas primeiro acede às minhas preces como quando antes me socorreste, deixando o palácio de teu pai e descendo sobre o tanque dourado. Teus elegantes passaros levam-te do Olimpo através dos ares agitando rápidas asas. Logo que chegarem os melismas da tua divina boca, ò deusa, interroga-me com palavras flamejantes!
Ah! Quantos tormentos dão pasto de chamas ao meu coração! E o que é este desejo de me fazer perdida? Porque é que busco novas ligações amorosas? "Quem ousaria ofender-te ò Safo! Se hoje te fujires, amanhã te farás buscada; se ela se recusa e a teus dons se esquiva, cedo se oferecerá de bandeja, se hoje se enoja amanhã procurar-te-á com redobradas ganas, mesmo que o não queiras!” Vem, vem, desde agora, ò deusa, emergir-me nesta selva cruel de tormentos! Que os desejos acampem em meu coração!

Não me recuses o teu diligente socorro! Pareces-me igual aos deuses, quando em teu redor sentada, devagar, escuto doces palavras e acolho o teu sorriso incendiário. Eis o que me perturba até ao fundo do peito. Mal te ponho os olhos erm cima, a voz não acompanha meus lábios, a língua desata-se, uma chama subtil corre em todas as veias, as minhas orelhas sentem o tremor, um suor frio inunda-me, o meu corpo freme, fico mais pálida que a erva desvanecida, a respiração esgota-se, e parece que estou perto de expirar. Mas é necessário ousar dado que a necessidade é bem maior que a criatura...


Todas as companheiras cortaram corajosamente os belíssimos cabelos sobre o seu túmulo.

Se Zeus quisesse dar uma rainha às flores, a rosa seria a rainha de todas as flores. Continua o ornamento da terra,a mais bela das plantas, a menina dos olhos das flores, o esmalte dos prados, beleza suave e incontestável: exala o amor, atrai e fixa Afrodite: todas as folhas são charmosas; o seu botão avermelha e entreabre com uma graça infinita e sorri déliciosamente aos amorosos Zéfiros.

Inclemente é o caminho da posteridade.

Sombras não aquecem nem recordam sombras.

Vem às nossas deliciosas refeições, mãe do Amor, vem preencher de um néctar agradável a nossa dourada corte; que a tua presença faça nascer a alegria no meio dos teus convivas e dos meus.

O amor vencedor dos obstáculos perturba-me e agita-me. É um pássaro suave e cruel; a ele não me sei opor.

Atis, é-me agora ignóbil – seus quereres voltaram-se para a bela Andromeda.

A lua e Pléiades estão deitadas: a noite dispôs já metade do seu curso, e eu, infeliz, estou só na minha cama, acabrunhada em tristezas...

Ò minha terna mãe, não posso, infelizmente afadigar-me em lavores de donzela: a temível Vénus subjugou-me imperiosa, e o meu violento amor para com esta jovem ocupa-me inteiramente. Como é que esta mulher grosseira e sem arte pode encantar o meu espírito e amarrar meu coração? Não sabe mesmo deixar flutuar a graça e os panejamentos dos finjimentos!

Luto e lágrimas não devem grassar nas casas do poeta: é uma fraqueza indigna dos servidores de Apollon.

A criatura que é sómente bela, é-a apenas por um dado tempo. Olha-se-a e pronto. Mas a criatura sábia e boa é inacabadamente bela.

Para mim, que gosto de uma vida frívola e voluptuosa este amor e seus prazeres presentes não me impedem de fazer acções brilhantes e honestas. Não sou de um carácter impetuoso e fervilhante. O meu espírito pelo contrário é tranquilo e calmo. As riquezas sem a virtude não se safam de censuras; mas desdenhar da virtude e as riquezas, aí está o cúmulo da felicidade.

O ouro é filho de Jupiter, não oxida, nem os vermes corroem este metal, que fascina caprichosamente os mortais.

Noivos felizes: vosso casamento realiza a vontade de antigos desejos. Possuam-se as jovens belezas que se desejam! Arquitectos, dai mais elevação a estas portas, porque o noivo que avança é semelhante ao deus da guerra: eleva-se mais que o maior dos grandes. Ajuntai-vos todos, e oferecei libações fazendo votos de felicidade aos noivos. Nunca uma rapariga numa hora assim foi tão extrema em beleza.

Crepusculo, trazes contigo todas as felicidades: és a hora em que a terra se deixa abraçar pelo olhar ligeiro, encaminhas os rebanhos maternamente. Crepusculo, reúnes todos os seres que a Aurora com sua luz dispersou.


Virgindade, virgindade, para onde te foste quando me abandonaste?
A ti não voltarei, não voltarei jamais!

Vinde aqui Musas, derramai a vossa luz!
Vinde agora, Graças delicadas, e vocês Musas de resplandecente cabeleira...
Vinde castes Graças aos braços de rosa, vinde, filhas de Zeus! ...

Alaúde divino, responde os meus desejo, torna-se harmonioso! ...

É ti, Calliope... Os desdéns esticam-te a corda e espicaçam-me a verve.

O amor agita o meu coração como o vento agitou as folhas dos carvalhos sobre as montanhas...

Voaria sobre o cume elevado das tuas montanhas e lançar-me-ia entre os teus braços, para que teus suspiros me ensadeçam...

Inflamas-me... esqueces-te da minha inteireza trágica. Gostas das outras como se pusesses o inesquecível numa prateleira.

Põe coroas de rosas sobre os teus bonitos cabelos; caminha com os dedos delicados a estrada rodeada de ciúmes...

A bela jovem que se atulha de flores parece ainda mais graciosa.

As vítimas ornadas de flores são agradáveis aos deuses, desprezando todas as que não se deixam entronar pelas grinaldas...

Vou cantar agora arias melodiosas que farão destemidas as minhas amantes.

O roxinol anuncia a primavera pelos seus aveludados sons...

Várias grinaldas e várias coroas de flores cercavam o seu pescoço...

O Amor é filho da terra e do céu...

A Persuasão é venal rapariga...

Congratula-te, jovem esposa: congratula-te, noivo invejável!...

Amigo, têm no que diz respeito a mim; que os vossos olhos brilham de qualquer seu fogo e qualquer sua graça...

A água fresca de um riacho murmura devagar sob os ramos destes pomares...

Dormi deliciosamente este meu sono nos braços da adortável Citéria...

O barulho das fodas nas folhas agitadas dissipou o meu sono...

Os seus cantos eram muito mais suaves que o som da lira, e eram bem mais preciosos que o ouro mais puro...

Amor, ministro velhaco da maravilhosa Vénus...

Estas pombas tímidas sentiam a sua coragem resfriar-se; deixavam cair languidamente suas asas cansadas...

Cumprimentem de minha parte a rapariga de Polyanacte...

A Aurora de ténis de ouro desponta já no horizonte...

Todas as cores se confundiam no seu rosto...

A lua iluminava um céu cheio...

As estrelas escondem os seus fogos brilhantes na vizinhança da lua: quando perfeitamente arredondado, este bonito astro ilumina a terra...

O sono amolecia as suas pálpebras...

Que os ventos levem a malícia alheia...

Serviços extra a outras amadas fazem-me mais profundas as feridas...

Deliciosa Vénus, enviei-te dos ornamentos da púbere côr púrpera: são deveras preciosos: é a vossa Sappho que te oferece estes agradáveis presentes...

Não a tenho em consideração até a voltar a desejar...

A vossa disponibilidade devolveu-me a integridade...

Não me ocupam somente coisas meticulosas...

Sim é um mal morrer, porque se não fosse desgraça, os deuses teriam morrido há já muito tempo...

Na cólera, nada convem melhor que o silêncio: quando se acalmam os seus transportes é necessário ainda retractar a língua e não nos entregarmos discursos inúteis e empolgados...

Os pais desta jovem beleza guardada com tanto cuidado pretendiam que eu lhe dava morte fazendo discursos sobre o himen...

Monday, July 02, 2007

HETEROPSICOGRAFIA PREFACIAL


Estas poetisas são umas fingidoras: heteropsicografam-se e agrafam-se nos fingimentos incompletos com que dividem e partilham alegrias e dores que são alheiamente suas no como se vão completando – não sei até que ponto deveras sentimos algo, ou se só esbracejamos sentimentos que vieram ter connosco porque nos deu atrevimento para poetar nos dias em que musas reciprocantes nos deram excitações assim para isto.

Mas se no que minguadamente ou abundantemente escrevinhamos é o quanto nos lêmos, com alguma justificada perplexidade, quer no que parece ser legível, quer nas desfloradas entrelinhas, também o é quanto nos outros nos lemos, ou eles, através do nós, fantasmáticamente nos lêem – e esse é um equívoco, já que a leitura é feroz reconhecimento de uma coisa que em potência fervilha no que habituadamente designamos por alma, mas também é o reconhecimento de um irreconhecivel que parece estar no ar no quanto mundanamente é radical dissimulação. São os pudores das dores e o Amor como negação que temos por mais assegurado. E assim é, o mundo treme debaixo dos firmamentos.

Bem nos podemos entreter com amostras sentimentalonas de razão quanto a tão irrazoável coisa! O que nos leva a ser adverbiais de modo, tão enroladas no querer dizer coisas atrapalhantes, tão directas no acessório, tão perdulárias por excesso de ornamento! – nada parece saír com certidão nas multiplas tentativas a que aqui nos atiramos. Falta-nos a secura dos clássicos e o horror moderno à adjectivação. Também a natura diverge logo na origem, e assim a imitamos na divergência de si mesma, a cada enunciado se escaldando.

Este livro é programáticamente um assenhoramento dos sonetos do Shakespeare, que aqui é traído, ignorado e mal-tratado e outras coisas impróprias. São estes versos postos em boca de mulher, o que não é de estranhar, pois não falta travestismo aos muitos aquis e acolás que se implicam nas feituras e exibições de seus labores. Trata-se de uma apropriação muito cega, e juramos a pés juntas que não sabemos se sobrou sequer um (des)troço que seja fiel a um texto que nunca é original – fidelidades a sentidos estanques são devoção de caniche a megera.

Aquilo a que miserávelmente chamamos literatura pede-nos de joelhos paixões assolapadas que a levem festivamente aos nossos corpos. E nós respondemos particularizando a linguagem, no que é particularizável, tornando ainda mais pessoais os pronomes – o tradutor é um intermediário singularizador, como a mãe que prepara a papa a seu modo. Somos, nesta entrega, umas misticas tão materialistas que só podemos acusar a linguagem de estar a fugir ao corpo de onde nunca poderá escapar senão no grande escapanço da morte.

E assim todolos autores se fazem nossas – amadas mais do que amigas – perdoem-nos os exacerbamentos metafóricos e a vontade, tão grega, de andar a desdizer mal dá azo a isso – é uma inquietude canibal, na qual pomos, sorrateiramente, o máximo dos máximos de delicadeza.

Sunday, July 01, 2007

perpétuamente pop


Um hit pop é um pipi op.

Ninfas infames não se sujeitam a exames.

Legiões de corações ao léu levitam nas discotecas.

A generala do desejo cozinha em panelas-de-pressão.

A última verdade perdeu o derradeiro comboio.

Um calor perpetuamente musical, como um edénico remédio.

De si só me descasca, mas na pele de amante é toda vestuária e rasca.

E hei-de amar com refrigerantes fogos.

açordas bombistas


Òdios de amor esturgem em redor.

Punha demasiada graxa naquilo em que sabia brilhar.

Rugidos de poder põe açaimes na fragilidade.

Há habilidades que em si se excedem.

As bombas abominam.

Joalheiras de amor não remendam velhices.

Impulsos torpedados dão estribilhos de fados.

A boazuda azeda o buda.

As trufas triunfam porcamente.

Traições piedosas ou atrações piadéticas?

Gorgulho de orgulho.

Farmacopeias baratas fazem sapateado nas ressacas.

Aldrabão albardado não intruja criado.

Qu’é do canalizador das rupturas de amor?

Honestos prejúrios, funestos juros.

Juramentos de prostibulo dão dividendos aos chulos.

A beberagem erótica acabou em empregada doméstica.

Diana caçada.

Ai, que caloraça vívida e indatável!

Para maleitas escorreitas soberas curas.

Um amor mais do género vinha-de-alhos.

Necessidades experimentais não se trocam na penhora.

As tetas adiantadas da deusa destemperaram o clavicórdio convidado.

Para banhos de cupido, sabonetes de sofismas.

Coração infatuado dá muita femme fatal.

no sofá do self


Raciocinios de vanitoso alaúde.

O luto é a camuflagem da morte.

Escreves cartas de amor com a prudência de quem depilou recentemente as pernas.

Gostas de barbear o juízo antes de o começares a moer.

Tens muito sumo na manga.

Falsas censuras dançam salsas às escuras.

Não dês boa nota a um amor que denota.

Assenhorava-se da sinceridade como de um enxame de vexames.

Nenhuma refutação pode pôr cancedas no céu.

Quem é aquela cuja beleza que arrebanha raios ao sol?

Amor astuto apascenta rebanhos de sofismas.

Cães também mordem cegos.

Palavras de amor cansam-se de salivar os egos.

Como é que me posso partilhar com o que não sou?

Penso em ti apesar do rebuscado mim que se vislumbra em cinematografias narcísicas e em retraído chinfrim.

A tirania da tia ironia.

Quem és tu a quem eu chamo amiga, e em quem os abutres pousam com uma paciência peregrina?

Repteis rubros arrefecem os faunos fatais.

Não labutarás por louros de uma insípida conquista.

Encosta-te ao self como à mais actual manha.

Sinto-me mais despida depois da/de despedida.

Adoração defeituosa faz ver maravilhas em pechisbeque de pirosa.

Méritos a metro.

o pavão no labirinto


A rebeldia é como um furacão que redestribui os poderes.

Nuvens encorpam-se como se nos quizessem devorar.

O externo cal da hipocrisia aquece-te internamente as fuças e amarga-te as indiferenças russas.

Devora-me sem aluguer.

Desvaneces-te em amancebamentos vagos.

És herdeira do inacabável.

Deves ter em conta, antes de os provar, que os extremismos estão armadilhados.

Podemos encenar a severa partilha do que não se pode herdar – tu ficas com o meu, e eu fico com o teu corpo. Seremos nossas.

Acabarei por vender-te com inclementes impostos variadíssimas horas de remorso.

Ao dizer femininamente as generalidades tornam-se tão pessoais.

A morte é o grande pretexto que faz transaccionável o sagrado.

Os meu amores febrilmente me enlanguescem – não que me entregue a uma doença como a obscuro bicho de demasiadas patas, mas porque a arte amatória é viral.

Para uns o mal é um dever de veludosa estirpe – com esses não alinho em sarabandas de decadência.

Só descreves porque prescreves.

Apetite incerto de um verão pavão.

A razão vacina contra muita medecina.

Inauditos excertos de imanentes excepções.

Torna a zebra mais àcida.

Com café o aleatório é mais frenético e escuro.

As verdades também se bronzeiam.

Labirinto exótico de expressões rafeiras.

a revolução bordada


Piedades revolucionárias acabam com o coração na guilhotina.

Faço expedições a criaturas para que me negue exemplarmente.

A rápida perseguição das coisas aos meus milimétricos estados.

Cuidados redobrados fomentam outras negligências.

Aprimoras o descontentamento como se te fizesses infanta.

Esperanças de perdedor não fazem pé-de-meia.

Assim a vontade prego aos que em vontades ardem – e de si se consumindo arde o lume para extinção ... ou para desmesuroso incêndio.

Dois são os amores que desconforto, duplicando-me em coloridos desesperos.

Os andaimes da perversão estão em saldos no inferno.

Macula-me o orgulho com sujíssima pureza.

Definham os anjos em velhos carroceis de feira.

A dúvida aguça-me o olho – atiro dardos como falsa cupida: a pura fábrica de paixões não separa o bom do mau, mas mescla-os pertinentemente, toda a moraleza conturbando.

A mão transpira nas façanhas.

Este venal estado lambusava-a, mas não a enlanguescia.

Chilreia essa alimária lenta que sempre doce foi.

Odeio-a com ganas sempre renovadas, como se cada dia fosse um inferno ainda mais preciosamente preciso.

A linguagem não precisa de autoestradas para juntar rápidamente tudo o que é dispar.

Abusa do tom delicado – mas utiliza a galanteria a conta-gotas.

A alma bifurca-se sempre que pode porque é atraída por um íman que torna tudo revolto, mas que este vortex não se confunda com os pruridos do pecado.

merendas e reprimendas


Suportem-se os suporíferos homens na sua machesa melosa.

Não sou despejada na gramática mas sou despojada nas entregas.

Minha prosa constelada de feras pode tagarelar imprudentemente porque sabe reger-se como um mundo livre e acolher quer vigorosos amores quer faccionaras sentimentos – aceno a essas orelhas vossas que já não se acreditam moucas, como que vos lendo, agnósticamente, o que não se rende a bastar-se ser silêncio.

Timidez de urso não faz as linhas mais rectas.

O coração desembrulha-se da sua altivez subterraneamente.

Uns amam o dote, outros os dotados.

E encarregue-me Amor de buscar basculações de toques prudentes, e sentir-lhe o gosto, e o cheiro báquico dos lúbricos recantos – dedsejo ser conviva das cinco sagacidades dos sentidos, sem dissuadir o que parece sobrar-lhe em serviçal coração. Ou não.

Desdigo as semelhanças que nos escravizam.

Quereis ser orgulhosa vassala de meus caprichos, mas meu capricho é que não sejais vassala.

...essa fábrica me fabrica a laca dos pecados.

Comparas utopias como se nossas imperfeições não fossem o lume que nos enlaça mesmo quando nos mostramos frias.

Podereis reprovar o irrepreensível, mas há reprimendas que não se merecem.

Deixa-me profanar com verdes garras os ornamentos escarlates.

Ligações falsas seladas com o infiel lacre do amor dão moralidades de pechisbeque ou tardes com o televisor.

Legisladores de amor, amam o amor ou a legislação?

Os olhos do úbricos que te importunam, tiram rendimentos sentimentais do vossos porte que mais tarde poderão ser encadernados com estima e muito recorte.

Indica-me ocultações, ou oscula-me cultamente!

mi, mim, migas


Meus olhos, que barrocamente vêem não o que vêem, mas o que cuspidamente nos chega nos cupidos.

A beleza é a muralha a partir da qual entrevês uma visão celeste, mas sem serafismos.

Ganchos fardados atiçam falsidões ouriças.

Meus olhos bebem o seu coração com muita tinta da china.

Um lugar quiçá comum é o mundo largo – banalíssima vagueza.

Ai, a tortura de tutorar a juventude!

Desaguizada nas subtilezas ideadas do mundo.

Assim a vasta vaidade cozinhamos perigosamente...

Fere-me não com olho tremido mas com linguado servido.

Chicoteim-me mil sofismas pela imorredoura arte – e que a pretexto de sofismar me confidêncie sem juramento, que o ajuramentado é já perfidia ao entregar as suas sinceridades nas carrascas mãos da linguagem.

Deixe-me desculpar a treta de tal guiza, que chegues ao cúmulo de desejar que prossiga jocosamente em artificiais desculpabilidades – que te fazem os olhos mais humedecentes, não sei se de ternura se de cativa alegria.

Olhos bonitos de amigas acompanham bem umas migas.

Uma cara que se afadiga junto a tornoselos, um peito que se desfaz em ares de ferimentos, um gesto que nos toca profundamente como quem se escapa – parem esses dados que me ferem o tal peito ou me empurram para falaciosos poços de desejo.

Mate-me inclinadamente com olhares, enquanto os olhares forem deveras matadores, mas livrem-me deles assim que através de doces ardis queiram devir grilhões.

Não me impacientes mais pois minhas pressas, para decepção se anteciparam demais.

Poderei sorripiar favoritas frsases quando me faltam para extirpar, como com um saca-rolhas, estes vis sentimentos que se amanharam no meu corpo – que um mestre me empreste palavras das que livram de atarantados apiadamentos próprios ou alheios.